Europa à direita

Sylvio Zimmermann escreve artigo analisando a vitória do partido ADR em Luxemburgo nas eleições europeias e discute o contexto mais amplo do deslocamento à direita na política europeia, destacando as mudanças nos equilíbrios de poder dentro do Parlamento Europeu e nos cenários políticos nacionais.

Há alguns meses fui convidado para trabalhar no partido luxemburguês ADR durante as eleições europeias. Volto para casa agora com o sentimento de dever cumprido; pela primeira vez em décadas, a ADR elegeu um eurodeputado. O caminho não foi sem obstáculos. Com apenas 6 cadeiras, a disputa foi acirrada e Luxemburgo contou com uma das maiores taxas de participação do continente. Dias antes da eleição, o jornal Tageblatt publicou editorial dizendo com todas as letras que votar na ADR seria votar em em um partido nazista.

Esse tipo de discurso foi repetido em coro por grande parte da mídia na Europa contra os partidos de direita, mas, como expliquei em artigo anterior, a chamada ‘extrema-direita’ europeia empalidece perto de alternativas verdadeiramente extremas, algumas dessas com expressão no Brasil e que, de um lado e do outro, propõem respostas paleolíticas para problemas do século XXI.

Passadas as eleições, a pergunta que pretendo responder nesse artigo é a seguinte: A vitória da ADR em Luxemburgo se insere no contexto de uma onda de direita europeia? Já ensaio uma resposta: Sim, se tomarmos a Europa como um agregado, houve um deslocamento à direita.

Mas, essa análise simplista esconde o fato de que diferentes partes da Europa estão em diferentes momentos do ciclo político, e o impacto desse deslocamento está especialmente concentrado nas áreas de maior poder econômico e político. Passemos aos fatos.

Quanto aos resultados agregados. O parlamento europeu é composto por grupos. Uma vez eleitos nacionalmente, os partidos se juntam a algum grupo parlamentar que, então, age em bloco. São 720 assentos em disputa.

A base do poder de Ursula von der Leyen, a presidente da comissão europeia (esta é a instituição que de fato detém o poder), é o grupo do Partido Popular Europeu (PPE) – centro-direita democrata-cristã. Com 190 eleitos, ganhou 14 cadeiras. A força dominante dentro do PPE é o partido democrata-cristão alemão, da antiga chanceler Angela Merkel.

A centro-esquerda manteve seus assentos. O grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas perdeu apenas 3 assentos e manteve o número expressivo de 136 cadeiras.

É o centro do grupo Renew (que tinha como maior força política o partido do presidente francês Emmanuel Macron) e os Verdes que tiveram perdas enormes. Em conjunto, perderam 41 assentos.

Os grupos da chamada ‘extrema-direita’ obtiveram ganhos. Os Conservadores e Reformistas Europeus, grupo dominado pelo partido de Giorgia Meloni, premiê italiana, e ao qual pertence a ADR, ganhou 9 assentos. O Identidade e Democracia, que tem como membro notável o partido Rassemblement National, principal partido de oposição francês, ganhou mais 9 cadeiras. Juntos, somam 134 cadeiras e igualam os socialistas.

É difícil dizer se essa composição onde o centro cedeu mudará alguma coisa de fato no funcionamento das instituições europeias. A expectativa é que Ursula von der Leyen continue à frente da União.

As questões mais interessantes se colocam no âmbito nacional. O resultado das europeias é tido como uma sinalização e informa os movimentos políticos dentro de cada país.

A progressão da direita não foi uniforme em todo o continente. A Polônia e a Hungria, ambos os países há algum tempo bastante marcados à direita, fizeram movimentos em direção à centro-direita.

Os países escandinavos, por sua vez, deram vitórias para os grupos tradicionais de centro-direita e centro-esquerda e enviarão apenas um membro para os grupos da ‘extrema-direita’.

Em Portugal, os socialistas chegaram no topo, mas, pela primeira vez, o partido Chega! elegeu eurodeputados.

É para o eixo Itália-França-Alemanha, as três principais economias do continente, que as atenções se voltam.

Em outubro de 2022, a chegada ao poder de Giorgia Meloni, na Itália, foi recebida com pânico moral pelo mundo. Líder do Fratelli d’Italia, partido considerado pela imprensa como ‘pós-fascista’, Meloni representaria o retorno do fascismo italiano. Meloni, contrariando as expectativas dos ditos especialistas, demonstrou ser uma líder moderada.

Abraçou a Europa e a aliança transatlântica com os Estados Unidos. A Itália vive um boom econômico e a primeira-ministra têm uma cota de popularidade atipicamente alta para um país com uma vida política costumeiramente fracionada. Com 28% dos votos, o Fratelli d’Italia sai vitorioso e dá a Meloni um maior poder de influência, tanto internamente, quanto na Europa. É para ela que os líderes da direita olham, tanto em busca de alianças quanto em busca de um modelo de governo.

Na Alemanha, a coalizão de centro-esquerda do chanceler Olaf Scholz sofreu uma derrota acachapante. A aliança conhecida como Unionspartei entre a União Democrata-Cristã (CDU) e a União Social-Cristã (CSU) sai vitoriosa, com 30% dos votos, mais do que o dobro dos votos recebidos pelo partido governista SPD. Após uma campanha desastrosa, o partido que a imprensa se apressa para chamar de “sucessor do nazismo” chega em segunda posição, com 16% dos votos e se torna assim a segunda força política do país.

A posição nacionalista da AfD em um país com a história da Alemanha é um assunto delicado e mereceria um artigo inteiro. Vale notar que o partido vem tomando medidas para suprimir qualquer associação que possa ser feita entre seus membros e o nazismo. Talvez, o elemento mais interessante e que não vem sendo reportado é o sucesso eleitoral do Bündnis Sahra Wagenknecht (BWS), um partido fundado em janeiro deste ano e que, com quase 7% dos votos, conseguiu eleger 6 eurodeputados.

O BWS é um partido de esquerda nacionalista, com  políticas econômicas semi-socialistas, mas oposição dura à imigração, à ajuda a Ucrânia, às pautas identitárias e ao ambientalismo anti-nuclear dos verdes. A ideia de uma esquerda nacionalista e rigorosa já é colocada em prática pelo governo dinamarquês e pode representar um novo caminho para a esquerda europeia – e mundial.

É na França, porém, onde o futuro da Europa está em jogo. Marine Le Pen foi adversária de segundo turno de Emmanuel Macron nas últimas duas eleições presidenciais e agora, as eleições europeias confirmam o seu partido, o Rassemblement National, como principal força de oposição. Venceram em todos os departamentos – exceto a região de Paris – com mais do que o dobro da votação do partido governista.

Soma-se ao seu resultado votações expressivas para outros partidos de direita. A plataforma do RN é fortemente anti-imigração, pelo endurecimento das penas e por um retorno às políticas economicamente protecionistas (Em contraste com o liberalismo da ADR, por exemplo). Macron entendeu o recado: surpreendeu a todos com a dissolução do parlamento e convocou novas eleições legislativas para o começo do mês que vem.

Caso o Rassemblement National consiga uma maioria, o sistema semi-presidencialista francês obrigará a constituição de um governo de coabitação: Macron continuará presidente da República, mas deverá nomear um primeiro-ministro da oposição para compor o governo.

Neste caso, o candidato do partido de Le Pen para o cargo de primeiro-ministro é o jovem Jordan Bardella, de apenas 28 anos. A aposta de Macron é tentar fazer com que a direita, ao compartilhar o poder, compartilhe o ônus das decisões governamentais e assim chegue enfraquecida para as eleições presidenciais de 2027.

Em caso de vitória do RN na França, um segundo grande país europeu passará a ser governado (ainda que de maneira compartilhada) por um dos partidos que vêm sendo demonizados há anos pela imprensa global. Caso obtenham êxito, terão a oportunidade de inspirar outros governos da mesma coloração política e tirarão a Europa definitivamente do centro-esquerda que a governa há tanto tempo.

Artigo publicado em no link https://upiara.net/europa-a-direita-por-silvio-zimmermann/